Nós - os corredores e desportistas em geral (penso ter direito a ambos os títulos depois de tantos quilómetros já palmilhados) - somos muitas vezes tidos como seres egoístas pelos demais (cujo único exercício físico diário será talvez o consequente de escovar os dentes ou fazer zapping, confortavelmente enterrados no sofá de suas casas).

Penso falar em nome de grande parte dos corredores e restantes desportistas, quando digo que as nossas próprias famílias, cujos elementos são maioritariamente não-praticantes desportivos (se não mesmo todos, na maior parte dos casos), tem dificuldade em entender esta nossa necessidade quotidiana. Ainda que esteja exaustivamente explicada, e até cientificamente comprovada, esta verdadeira dependência causada pela libertação natural de endorfinas durante a prática desportiva, só quem experimenta a satisfação física e psíquica adveniente do exercício físico continuado é que compreenderá perfeitamente o porquê deste nosso salutar vício.

Por outro lado, a maior parte de nós, tratando-se de corredores/desportistas amadores, tem diariamente outras obrigações, de carácter profissional e familiar, com toda a certeza mais importantes, (não querendo entrar em polémicas, fica ao critério de cada um hierarquizar e estabelecer prioridades nas suas próprias vidas), que absorvem grande parte da disponibilidade, não restando, por vezes, muito tempo para aquilo que alguém designou como a mais importante das coisas secundárias da vida - o desporto.

No meu caso pessoal, estando, de algum tempo a esta parte, envolvido com uma equipa de triatlo amador e sendo confessamente um gajo com uma tendência inata para cair em extremismos (aqui faço mea culpa), tenho tido ultimamente alguma dificuldade em balancear todas as componentes importantes da existência e descurado inadvertidamente o tempo familiar em prol do treino. Para cúmulo, a minha filhota de dois anos está naquela fase engraçadíssima própria desta idade, e sinto que, se não lhe dedico tempo agora, perco irremediavelmente capítulos irrepetíveis do filme da sua vida.

Se permaneço em casa, confortavelmente instalado no sofá brincando com a pequenota, fico de tal forma ansioso e irritadiço por não ter saído para treinar (tal como aconteceu, por exemplo, ontem), que depois ninguém me atura; se, pelo contrário, vou treinar, sinto, nas minhas mulher e filha, aquele olhar acusador de abandono (ou talvez seja apenas o meu próprio sentimento de culpa a dar o alerta).

Assim que, por estes dias, sinto-me bastante dividido já que, perdoem-me o cliché, estes só têm 24 hrs. Já pensei em pôr em prática a técnica adoptada pelo Dean Karnazes de , roubando tempo ao sono, correr de madrugada. O problema é que nem consigo acordar, nem fisiologicamente obtenho o mesmo rendimento de manhã (isto sei-o por experiência própria).
Certo é que vou inserir mais dias semanais de descanso no meu plano de treino, dedicando esse tempo à família (mato assim dois coelhos de uma só cajadada já que o descanso é componente fundamental de qualquer plano de treino e, quando não contemplado, incorre-se no risco de cair em overtraining).

Fazendo tenção de competir em provas de triatlo já na próxima época (uma modalidade especialmente absorvente em termos de treino), poderia também adoptar o estratagema utilizado por alguns dos meus colegas de equipa que aproveitam o intervalo para almoço para treinar indo, por exemplo, à piscina. No meu caso pessoal, porém, penso ser pouco exequível.

Perdoem-me os desabafos públicos mas sentia esta necessidade, como processo catártico, de condensar pela escrita este turbilhão de sentimentos e ideias que me têm assaltado o espírito ultimamente e que serão porventura comungados por mais gente.

Sabendo de antemão que os dias não esticam e que, matematicamente e na melhor das hipóteses, só dispomos de cerca de um terço do dia para fazer aquilo que realmente gostamos (os outros dois são gastos a dormir e a trabalhar), todas as sugestões para uma gestão equilibrada do tempo são bem-vindas . Pelo menos até que a sorte decida bafejar-me com um primeiro prémio no Euromilhões!!! Aí passaria a dispor, a meu bel-prazer, de dois terços do dia!!! Para que isso aconteça será mais fácil prescindires do sono - pensarão imediatamente vocês.

Comments (11)

On August 27, 2009 at 6:56 PM , Anonymous said...

Gostei do desabafo e compreendo-o perfeitamente.

A questão que se impõe é:

tu por acaso tens jogado no euromilhões, para que um dia possas fazer apenas o que gostas? (brincar com a filhota e treinar)

 
On August 27, 2009 at 7:17 PM , Quique said...

Eu também sou viciado em formação e se um dia eu tenho que correr não ficar com raiva e sair como eu fiz algo errado.

Conciliando esporte e da família é muito complicado, eu não irritante às vezes que, por volta das 7h. O ruim é o dia da concorrência ... não é quando eu tenho mais problemas.

Eu espero que você me entende, eu estou traduzindo com o Google ... desculpe se eu cometer um erro.

saudações
Quique

 
On August 28, 2009 at 3:10 AM , Anonymous said...

GOSTEI DO QUE LI E PARTILHO O TEU PENSAMENTO E AS TUAS FRUSTAÇÕES E ALEGRIAS E PENSO QUE NA GENERALIDADE DAS DITAS TRADICIONAIS FAMILIAS É ASSIM....MAS SÓ QUEM SENTE O QUE TU TAMBÉM SENTES EM RELAÇÃO AO NÃO TREINAR... SÓ TE PODE ENTEDER COMO EU TAMBÉM ENTENDO...SÓ QUEM PASSA POR ELAS E TEM ESTE VICIO QUE É "CASTIGAR" O CORPO E O PRAZER QUE ISSO NOS DÁ...
LOL
;) ABRAÇO AMIGO
N. SACRA

 
On August 28, 2009 at 9:28 AM , Guy de Maupassant said...


Meu amigo Alien:

Por acaso até jogo semanalmente ainda que o mínimo (2 aérios). Por falar nisso ainda não conferi a chave do último sorteio. Às tantas até já estou milionário...

 
On August 28, 2009 at 9:56 AM , Guy de Maupassant said...


Quique:

Gracias una vez más por su visita!

Puede comentar en español que lo entiendo perfectamente!!! Además el traductor que usted está empleando no es muy bueno...

Pero por favor no deje de visitar y hacer sus comentarios y observaciones. Este es un espacio de compartir experiencias y todas las opiniones son importantes.

Buena recuperación de la molestia en el tendón de Aquiles.

Saludos
RM

 
On August 28, 2009 at 9:59 AM , Guy de Maupassant said...


Grande Sacra:

Obrigado pela visita que muito me honra.

Como é que vai essa recuperação?

Brevemente havemos de reunir um grupo grande para umas valentes pedaladas. Topas?

Abraço
RM

 
On August 29, 2009 at 2:18 AM , Jorge Cerqueira said...

Guy, boa noite, muito boa a sua reflexão...Parabéns...
Eu digo para os corredores amadores que nós somos uns campeões, pois nós acordamos cedo para treinar, trabalhamos e ainda temos que dar apoio a nossa família e digo mais temos que ter Deus em 1º lugar nas nossas vidas e 2º vem a nossa familia e depois as corridas...Digo isso pq uma certa vez uma senhora me escreveu e me perguntou pq eu gostava de correr eu expliquei os motivos a ela e ela me retornou dizendo que odiava as corridas, daí eu perguntei a ela pq ela odiava, pois ela me disse que o casamento dela acabou pq o marido dela só pensava em correr, correr e correr...Daí eu respondi a ela que o corredor tem que saber se dividir em várias partes e não só pensar em corridas depois não sei mais pq ela não me respondeu, daí amigo se vc tem uma pequena filha de o máximo de atenção a ela, pois ela irá crescer rápido...
Sucessos no Triatlo...
Bom é isso ae amigo, Que DEUS te abençoe e te ilumine...

Bom final de semana.

Um abraço,

Jorge Cerqueira
www.jmaratona.blogspot.com

 
On August 29, 2009 at 11:51 AM , Unknown said...

E a mulher... minguém pensa na mulher? Triste, só e abandonada... gelada... (conhecem este anúncio da marca de gelados Olá)?
Pois é, entendo perfeitamente o RM, tal como ele também tenho hobbies dos quais gosto muito: dormir até tarde de manhã, passear pelo shopping, fazer tricot com as amigas, dançar e tantas outras futilidades que sabem bem e não fazem mal, no entanto, valores mais altos se levantam e a filha é sem dúvida o mais importante. A seguir vem o fofinho.Ao contrário da filha que quer sempre estar comigo ("tou com a mamã" diz ela quando o papá quer levá-la para longe da mamã)o papá tem outros interesses. Excelente os hobbies que não sobrecarregam as famílias... a mãe fica com os filhos enquanto os maridos andam a correr atrás dos hobbies. À noite quando os pais chegam a casa encontram uma mulher rabuga, porque não tem a companhia do amado e filhos a dormir, que até essa hora perguntam "o papá?". Não sei pelos demais, mas para mim este não é o quadro ideal. Não sei qual o benefício que tal rotina(os quadros são quase todos iguais o que alteram sao as cores) pode trazer para a família. Acredito que quem aqui comentou ou não tem filhos ou estes não são pequenos.

No final deste balanço mulheres como eu... sim, não sou ave rara, ainda ficam mal vistas: são chatas, não compreendem os pobres maridos que só querem... precisam de gastar as únicas duas horas de convívio familiar fora de casa a praticar os hobbies e ainda por cima umas exageradas, pois existe sempre tempo para o convívio (pena que eu não seja adepta de festas e feriados santos!). Só nos resta deitar na cama e dormir, sim, porque com tanto gastar calorias fora de casa, não há forças para mais nada.

Meus caros... hobbie para mim é ir ao Domingo pescar na ria para pôr o jantar na mesa!!! :)

 
On August 31, 2009 at 10:51 AM , Guy de Maupassant said...


Amigo Jorge,

Obrigado por suas sábias palavras!!!

Um abraço
RM

 
On September 2, 2009 at 6:06 PM , Guy de Maupassant said...



COMENTÁRIO DO VÍTOR VARELA RECEBIDO VIA EMAIL:

Boa tarde Raul,

Após ter tido o prazer de entrar no teu bastante atractivo blogue e ter lido o "desabafo" relativamente à falta de tempo, dois comentários gostaria de fazer:

1º - Felizes os que têm a família como focos de gestão de tempo!

Também eu passo por esses tormentos com 2 filhos de 8 e 10 anos que me exigem desde já não só todo o companheirismo como também alguma dedicação a nível de acompanhamento escolar.

Soluções:

- Fizemos um 3º filho (não planeado) para aumentar o nível de dificuldade, que, em simultâneo, dará também um outro sabor à vida, não só a nós como pais assim como também aos nossos filhotes que transpiram alegria pelo novo mano que aí vem.

- Já tenho os meus dois filhos [...] no Triatlo com o Jacinto e Zé Miguel, deste modo envolvo os miúdos no desporto, envolvo a família e assim atenua-se esses maus olhares de "terceiros".


2º - "Felizes" os que têm o trabalho como focos de gestão de tempo!

Dos tempos que correm, não ter saído o euromilhões e ter trabalho, diria que começa a ser um luxo. Sim, porque também para fazer desporto é preciso dinheiro e não é assim tão pouco.

Soluções:

- Sempre que posso, dependendo de haver algum compromisso pós laboral, venho de bicicleta para a fábrica (Gaf. Carmo - Cacia) fazendo deste modo 2x20km. Não só fico com o treino feito como aproveito o tempo de deslocação como entro já todo oxigenado e de óptima disposição em piso de fábrica. Para tal levanto-me pelas 06:15 para sair de casa às 06:45. Chegado à fábrica tenho 2 cacifos, um com roupa lavada e respectivos utensílios para o banhinho e outro para pôr a roupa suada. Às 8:00 estou a picar o ponto. Só te sei dizer que é fantástico tendo como contra o frio e chuvas de Inverno, mas isso meu amigo é extensível a qualquer horário.

- Estou inserido numa turma de natação à noite na piscina de Ílhavo. No ano passado era das 21:45 às 22:30 2x por semana. Este horário permite-me p.ex trabalhar um pouco com os miúdos antes de jantar e do treino.

- Aproveito sempre que posso correr enquanto está a decorrer a aula de natação do meu filho em vez de fazer como muitos pais que ficam nas bancadas a contar piscinas e a tirarem tempos. Com isto faço um brilharete com a minha mulher que só tem de o ir lá pôr ficando o resto ao meu cuidado. Digo-te que ela já chegou a deixar o meu filho na piscina com a sua respectiva bicicleta permitindo-me assim poder ir de bicicleta para a fábrica vir nela para a piscina, correr enquanto decorre o treino (visto que tenho as sapatilhas numa mochila às costas) do André e terminado o treino posso regressar a casa na companhia do meu filho de bicicleta.


- Quando as coisas se complicam ando sempre com 3 kits de desporto no carro, bicicleta, corrida e natação. Consoante a oportunidade e vamos nós. Confesso que com isto não consigo cumprir com um plano rígido nem me juntar como gostaria ao excelente grupo de atletas de Triatlo. Paciência! ... Faço o que posso.


Caro Raul, sei que cada caso é um caso, deixo-te aqui a minha realidade e das soluções que me ocorreram quando me deparei com as mesmas dificuldades. O bichinho do desporto leva-nos a saber aproveitar todo o tempo, tempo esse que todos sabemos ser muito pouco para o que gostamos de fazer.

Abraço,

Varela

 
On September 4, 2009 at 1:58 PM , Katryny said...

Gostei muito desta reflexão.
Realmente encontro dificuldades em treinar e fazer meu marido gostar do esporte.
Mas estou tentando encontrar um equilíbrio sem deixar de treinar.
Abraços